Traduzir-se (Ferreira Gullar, Na Vertigem do Dia. 1980.)
Uma parte de mim é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera;
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta;
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente;
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem;
outra parte, linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão de vida ou morte —
será arte?